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quarta-feira, 29 de maio de 2019

Cinco Dedos, polegar opositor

Cinco dedos, polegar opositor. Eu não lembro exatamente o dia em que deixei de acreditar que eu era gente, que eu valia e que eu podia. Tampouco sei precisar o dia em que passei a me contentar com quase nada. Menos ainda eu consigo dizer o que alimentou a crença de que por algum motivo eu tinha que estar ali trocando minha alma por cigarrinhos, moedas ou mesmo elogios. A crença de que o meu lugar era aquele. E que enquanto todos estavam ali no seu momento recreativo eu estava numa árdua e inócua missão de convencê-los que eu era boa o bastante, talentosa o bastante, inteligente, interessante até que aconteceu... e eu é que acabei me convencendo de que eu não valia muito e comecei a aceitar qualquer coisa com gratidão. Não sei se a palavra é essa gratidão, acho que era mais resignação. O fato é que passaram - se os últimos dois anos sem que eu pudesse de fato enxergar o meu tamanho. Seria fácil ser simplista e culpar aqui a substância x, y ou z, afinal é isso que a sociedade, a psiquiatria e as religiões fazem todo o tempo. Mas todos ali usavam x, y o u z, ou todas e muitos mantinham trabalho e portavam cartões e faziam planos... Outros acreditavam que eram menos gente ainda. Se humilhavam por ainda menos. Mas o grande caso é que eu não sei como se deu o acontecido, não foi como se um dia eu tivesse acordado uma barata. Foi mais complexo, foi como se aos poucos eu fosse deixando de acreditar que eu era humana igual aqueles que me ignoravam ali naquelas mesas. E eu fui esquecendo de voltar pra casa, esquecendo que eu era esperada... era como se só existissem eu e as pessoas nas mesas dos bares daquela rua, daquele centro e eu precisasse da aprovação delas, dos trocados delas. Era como se a vida se resumisse a acumular abordagem bem - sucedidas e contar as moedas no final, e começar de novo no outro dia. Era como se não houvesse mais nenhum objetivo fora disso. Eu sabia que meus poemas iriam parar muitas vezes no lixo. Eu sabia que mal pagavam as cópias muitas vezes... Que alguns despejavam as niqueleiras pra se livrar o mais rápido possível de mim e voltar a falar sobre o cash e o crush. Eu sentia os olhares piedosos. Sentia os impiedosos também. Mas por qualquer motivo eu era incapaz de partir. De tentar outra coisa. Faz pouco tempo que eu olhei os dedos das minhas mãos segurando os poemas e reparei que eram dedos de gente. Cinco dedos. Polegar opositor. Que reconheci nos trajes rotos e no rosto exausto uma pessoa. Alguém que eu era, e que eu não sabia mais. Foi tanta surpresa que eu quase disse alto: Quanto tempo! E como uma criança chamei a minha mãe e confirmei com ela: Eu ainda sou gente? Ela assentiu. Eu era gente. Cansada, abusada e subestimada, mas eu era gente sim. E valia. Ela concordou de novo. Cinco dedos, polegar opositor, uma mãe, um pai, uma avó e até uma filha... Um grande universo além das transações de poesias por moedas. Não era novo porém, eu só não conseguia mais ver. Mas tudo indicava que estava ali todo o tempo enquanto eu tinha esquecido. Enquanto eu acreditei que eram outras minhas necessidades, outros valores. Como eu iniciei esse texto, eu não sei explicar como aconteceu, talvez fique conhecido entre os que contam histórias e lendas urbanas como “ O incrível caso daquela que esqueceu que era gente .” Carolina Verissimo

domingo, 26 de maio de 2019

Eu voo sobre abismos profundos

Eu voo sobre abismos profundos E profundamente lamento se você não sabe lidar. Estou acostumada as minhas sombras Então não venha agora tentar me apagar. Eu, cria da noite escura, E nasci (prematura) de uma tempestade no mar. E me modela (e perfura) Meu caráter, minha cura, eu vim de nenhum lugar. E eu crio rima pura Feito realidade dura Se não curte minha música Não a ponha pra tocar. Se não aguenta, escuta Não rotule minha conduta Afinal com que critério Que veio aqui me julgar. Eu tenho mais de sete vidas Muitas paixões esquecidas Eu lambi minhas feridas Pra fazer cicatrizar. E embora muitos duvidem Entre flores e espinhos Eu sigo meu próprio caminho E sei onde vou chegar. Nunca foi questão de sorte Nem sempre deu pra ser forte E nem pra aguentar calada, sem mudar de lugar. E de não saber ficar muda De tanta poesia cascuda A direção que se muda Não ouse desafiar. Que se depender de talento Pode mandar, eu aguento Poesia com agilidade Pra nunca desanimar.